A transformação do Brasil


No tempo da 2ª Guerra Mundial, o escritor Stephan Zweig, refugiado no Brasil, lançou uma simpática profecia: Brasil, um país do futuro! Há mais de 60 anos acreditamos nela sem que houvesse sinais consistentes da sua realização. Hoje, após dois mandatos presidenciais do Lula, há sinais de que o futuro está bem mais próximo.

O debate sobre o desenvolvimento do País esteve polarizado entre dois desafios, o crescimento da economia e a distribuição de renda com a maioria dos cidadãos. No tempo da ditadura, os gurus da economia apregoavam que era preciso fazer crescer o “bolo” para um dia, no futuro, poder dividi-lo. Esse futuro era cada vez mais longínquo, até porque o principal fermento do crescimento do bolo era a extrema concentração de renda e a paralela concentração de poder. Aquele bolo nunca crescia porque os ricos e poderosos devoravam os maiores pedaços antes da hipotética divisão. Hoje, a convicção é outra. É preciso dividir para fazer crescer o “bolo”. Este é o ponto de partida do planejamento nacional, expresso nas diretrizes do plano Brasil 2022, elaborado pela Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.

A formação de um amplo mercado interno sempre foi um gargalo nos projetos dos desenvolvimentistas.

Dos anos 50 para cá, era voz corrente que somente uma reforma agrária radical seria capaz de formar uma classe de pequenos e médios proprietários com poder aquisitivo, protagonistas deste mercado.

A história muito contribuiu para esta crença, pela qual a reforma agrária era indispensável para a consolidação da democracia e para o desenvolvimento das nações.Em quase todos os casos estudados,o caminho foi a revolução social ou a guerra civil. Talvez por isso, a esquerda latino-americana tenha se preparado para a guerra e a direita tenha lançado mão de golpes de Estado e instalado ditaduras sanguinárias.

Alguns espíritos antigos, como o Dr. Plínio do PSOL, continuam a pregar uma reforma agrária ampla, geral e irrestrita. No entanto, a consolidação da democracia no Brasil indica que não é mais necessária a guerra civil. A reforma agrária não é o a vatar do desenvolvimento.

Ela é,acima de tudo,uma questão de justiça no campo. Dentro da lei, é possível atender os sem-terra, os quilombolas, os índios e assegurar as terras necessárias a estas comunidades sem impor módulos agrários universais.Em compensação,apolítica de distribuição de renda e de inclusão das maiorias da população no mercado tem respondido positivamente a esse desafio de criação de um mercado interno. Mais de 50 milhões de brasileiros saíram da miséria. São os novos consumidores de alimentos. Mais de 90 milhões de brasileiros estão em uma faixa de renda entre R$1.110e R$4.800mensais.Esta é a nova classe média ampliada do Brasil, que representa mais de 50% da população nacional.

Graças a este novo mercado interno, a economia brasileira resistiu com muito mais sucesso ao impacto da recente crise internacional, ampliou a produção industrial e, portanto, a oferta de emprego, e ampliou igualmente o consumo, mediante a massificação do crédito popular. Esse processo foi denominado pelo economista Edgard Dedecca, da Unicamp, como revolução silenciosa. Apesar de ser um bonito título de livro, não concordo com este conceito. As revoluções implicam quebra da legalidade, descontinuidade institucional e, na maioria dos casos, em guerra civil. Parece-me mais apropriado o conceito de grande transformação, o que ocorreu na Inglaterra, entre o século XIX e o século XX. A implantação da economia mais desenvolvida no seu tempo não resultou de uma revolução, como a Francesa, nem de uma guerra civil, como a Americana. As mudanças tecnológicas, industriais, demográficas e políticas na Inglaterra tiveram o seu ritmo acelerado e sua intensidade potencializada. Por isso os ingleses se deram ao luxo de manter uma monarquia e uma Câmara de Lordes! Acredito que o Brasil vive hoje um processo de transformação, sem pânicos, com continuidade institucional e respeito à democracia.

Nosso desafio não é somente a continuidade, mas também a aceleração e aprofundamento destas transformações.

Acredito que o Brasil vive hoje um processo de transformação, sem pânicos, com continuidade institucional e respeito à democracia.



Ubiratan Castro de Araújo Integrante da Academia de Letras da Bahia e diretor-geral da Fundação Pedro Calmon/SEC - ubiratancastrodearaujo@gmail.com


Publicado pelo Jornal A Tarde - em 23 de setembro,2010.

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