NOVOS REIS, NOVO CARNAVAL




No ano de 2008, meu amigo Clarindo Silva foi escolhido Rei Momo. A celeuma foi grande. Um rei momo magro, onde já se viu? Em 2009, o escolhido foi Gerônimo que, apesar de gordinho, nada tem do modelito Ferreirinha: indolente, beberrão e comilão.

Este ano, o novo rei é Pepeu Gomes, um elétrico guitarrista. Estas escolhas marcam a ruptura do carnaval baiano com Baco e suas bacanais. Os novos reis devem ser ativos, produtivos e performáticos.

Esta mudança corresponde às mudanças que, ano a ano, viraram o carnaval de ponta a cabeça. Os carnavais de minha infância eram realmente janelas de alegria e de descontração que se abriam em um quotidiano regulado por uma moralidade religiosa e por todos os freios do conservadorismo.

Imaginem que naquele tempo era impensável um homem ou menino usar roupas coloridas, camisa estampada ou qualquer peça cor de rosa. Certamente ele seria agredido nas ruas com adjetivos nada gentis: fresco, florzinha, Florípedes.

No carnaval valia tudo, tudo era fantasia, com máscara ou sem máscara. Valia até sair travestido de mulher, e mesmo de “nigrinha”.

A liberação dos costumes permitiu que, o ano inteiro, as meninas saíssem da janela e fossem a luta no entre-e-sai e no esfrega-esfrega.

Até na música o carnaval era a salvação. O ano todo ouvia-se Cauby cantando algum drama comovente, tal como “ Conceição” ou com “Tarde fria, sinto frio na alma”. Só no carnaval podia-se ouvir o “Índio quer apito”, a “lambretinha” e a “mulata bossa nova”.

Não leiam mais Bakhtin, o carnaval não é mais a inversão da ordem. O carnaval ganhou e na Bahia é a ordem o ano inteiro! Longe de sumir no quotidiano, o carnaval é a cerimônia frenética e em tempo integral para a celebração da nova ordem. O Olodum tem razão: “Olodum tá hippie, tá pop, tá reggae, tá rock. Olodum pirou de vez!”.

No nosso novo carnaval, Eros expulsou Baco. Em vez de contestar a quaresma católica e afrontar a quarta-feira de cinzas (quase ninguém se lembra dela), o carnaval é o espaço para se vivenciar a saúde, a vitalidade, o prazer do corpo, o que os antigos gregos chamavam de Erótica.

Nesta nova ordem, os mais velhos são rigorosamente excluídos; ou vão para Pelourinho, ou chegam até um protegido camarote, ou ficam em casa assistindo pela TVE. Para nós, o carnaval é o voyeurismo; o prazer de ver os jovens gozarem!

Nesse novo carnaval, o rei Momo deve representar esta vitalidade erótica. Que Exu proteja Pepeu para que ele represente dignamente o seu papel!

*Ubiratan Castro de Araújo – historiador e membro da Academia de Letras da Bahia
Artigo publicado pelo jornal A Tarde no dia 15 de fevereiro de 2010.

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